Wednesday, January 30, 2013

Sobrenomes abrem e fecham as portas...


Tenho uma amiga cujo sobrenome do ex-esposo é famoso, e, portanto, quando quer fazer uma reserva em um restaurante "fashion" usa o sobrenome do ex. Pouco importa que apesar do sobrenome célebre, nem ela, nem o ex marido têm qualquer relação com a marca famosa. O que importa são as aparências...
Isso às vezes pode ser favorável, ou desfavorável, depende das circunstâncias.
Em 1965 a guerra entre as três equipes de fábrica, Simca, Willys e Vemag, atingiu o auge. Grandes batalhas, grandes pilotos, corridas memoráveis. Entretanto, um ano antes, dera-se o golpe de 1964. Como o país estivesse em uma espiral inflacionária, a cúpula econômica resolveu aplicar medidas recessionárias para impedir o avanço da inflação.
Seja ou não coincidência, as três montadoras mais afetadas pelo cenário econômico desfavorável foram as três que mantinham equipes de fábrica. Assim, o belo cenário automobilístico de 1965 colapsara no começo de 1966. Exceto pela Dacon.
Chico Landi foi o primeiro a ter a idéia equipar um Karmann Ghia com motor Porsche, em 1964, e Paulo Goulart, que havia obtido a representação da marca no Brasil, achou a idéia ótima. Landi ganhou uma prova com o carro, que fez mais duas outras corridas em 1964, e depois foi abandonado. Mas em 1966, quando duas das equipes de fábrica estavam em processo de fechamento, e a remanescente, Willys, passara a competir com menos carros e pilotos, a Dacon entrou nas pistas arrasando com seus Karmann Ghia Porsche, embora tenha demorado alguns meses para ganhar uma corrida. No começo de 1967 não somente tinha os melhores carros, como uma equipe de pilotos que contou com Emerson Fittipaldi, Wilson Fittipaldi Junior, Marivaldo fernandes, Chiquinho Lameirão, José Carlos Pace e Lian Duarte, entre outros. O final do ano de 1966 e começo de 1967 foram indubitavelmente da Dacon, e no fim da temporada de 1966 ninguém nem lembrava mais das defuntas equipes Simca e Vemag.
Goulart gostava do automobilismo mas era, acima de tudo, um homem de negócios, e o mar não estava para peixe. A sua equipe custava um bom dinheiro, mas teve desempenho comprovado nas pistas, portanto, fez o que faria sentido.
O único fabricante de automóveis do Brasil que não havia participado das corridas com equipe de fábrica era a VW. Até a estatal FNM teve uma equipe "semi-oficial" nos idos de 1960 a 62. O grande problema da VW era que o Sedã VW, o Fusca, não era adequado para as pistas na sua configuração 1200. O Karmann Ghia só tinha cara de bravo, mas seu desempenho também era pífio. Os kits de envenenamento de VW só evoluiriam bastante no Brasil em 1967, portanto a Volks ficara de fora da briga.
Goulart raciocinou, corretamente, que apesar do motor Porsche, o que o público via era um VW nas pistas, o Karmann Ghia, ganhando as corridas. Ou seja, a participação da Dacon tinha um grande valor promocional para a VW. Assim, resolveu propor à VW, em 1967, que patrocinasse sua equipe de competições, que, essencialmente, se tornaria a equipe de fábrica da VW.
A proposta foi rejeitada. Oficialmente, a VW continuava avessa às competições, tanto que pouco apoiou a Fórmula Vê em 1967. Sob o ponto de vista de marketing, havia pouca razão para a VW entrar nas pistas. O fusca era um carro tão procurado em 1967 que o modelo com um ano de uso era mais caro do que um modelo zerinho, por ser disponível, enquanto havia filas de espera para o VW novo. A Vemag fora comprada pela VW, e a produção do DKW interrompida. O Gordini estava no fim da linha, e a Chrysler, que comprara a Simca, não oferecia qualquer concorrência á Volks.
Questões complexas têm fundamentações complexas. Assim, acho que ambas as razões acima foram consideradas pela VW, ao recusar a proposta de Goulart. E uma terceira, que nunca foi discutida, mas que provavelmente também foi levada em consideração. O sobrenome do dono da DACON.
Em 1967, a linha dura começava a se enfronhar nos postos mais altos do governo. Para ficar. E na ótica da linha dura, e na política em geral, convenhamos, às vezes as aparências contavam mais que a realidade. Liguem os pontos - o sobrenome do presidente deposto pelos militares em 1964 era justamente o incomum sobrenome Goulart!
Não acho que os dois eram parentes, mas, por via das dúvidas, a última coisa que a VW desejaria, pois na época contava entre os seus acionistas com famílias ligadas ao poder no Brasil, seria uma associação estreita com uma pessoa com tal sobrenome.
Assim, a Equipe Dacon fechou as portas, após ganhar os 1000 km de Brasília de 1967 e a VW só entraria a fundo no automobilismo em 1974, com a Fórmula Super Vê. 

Carlos de Paula é tradutor, escritor e historiador baseado em Miami 

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