Thursday, March 28, 2013

Isonomia e tolerância




A isonomia é o princípio mais básico da tolerância e diversidade. De fato, sem tal imparcialidade não existe tolerância e o entusiasmado acolhimento da diversidade não passa de hipocrisia da grossa.

Nas últimas semanas, temos testemunhado milhares de artigos publicados na mídia brasileira sobre a escolha do Deputado Marco Feliciano para presidir a Comissão de Direitos Humanos da Casa. Neste artigo, me atenho meramente à mídia na Internet que é a única mídia brasileira à qual tenho pleno acesso. Por alto, 7 entre 10 artigos na internet adicionam ao nome do Deputado Marco Feliciano seu título eclesiástico de Pastor, na forma "pastor Deputado Marco Feliciano", "Pastor Deputado Marco Feliciano", "Deputado Marco Feliciano que é pastor", etc. O propósito deste artigo não é discutir as visões do Deputado, ou se é qualificado para ocupar o posto. Trata de uma coisa mais séria, a tal da isonomia, que, ironicamente, também é a base dos direitos humanos e afeta a todos, desde o mais humilde operário à Presidenta do País.

A imprensa usa boa parte do seu espaço e recursos falando de políticos, o que é bom. Nos últimos anos, a Câmara de Deputados Federal teve Deputados com uma vasta gama de ocupações antes (e durante) as suas respectivas eleições: advogados, industriais, banqueiros, economistas, empresários, acadêmicos, psicólogos, comerciantes, ativistas, atores, cantores, escritores, policiais, militares, estilistas, apresentadores de TV, jornalistas, sindicalistas, esportistas, e até mesmo palhaços e ex-BBBs. Depois do susto da eleição, como foi o caso do palhaço Tiririca, nunca vi um Deputado ser referido com indicação da sua profissão fora da política, o mesmo se aplicando a Senadores, Vereadores, membros do Executivo, etc. Por exemplo, enquanto foi ministro, nunca via referências ao "cantor Ministro Gilberto Gil", ou à "sexóloga Ministra Marta Suplicy". Sendo assim, é com certa apreensão que vejo a imprensa tratar o Deputado Marco Feliciano de forma diferenciada. Com certeza, não usam seu título fora da política por respeito, pois na maior parte das vezes a palavra pastor é grafada com letras minúsculas...

Alguns poderiam dizer, em defesa do comportamento patológico do "quarto poder" que nesse caso é importante frisar repetidamente a afiliação religiosa do político. Ora, não vejo o mesmo zelo em relação a políticos católicos, islâmicos, judeus, kardecistas, umbandistas, budistas, satanistas, agnósticos e ateus, cujas posições religiosas nunca são levadas em consideração, seja qual for a pauta política, nos textos que lhes concernem. Somos ou não um estado laico?

Sendo assim, só podemos considerar que existe uma campanha voluntária, invisível porém sensível, para atrelar a figura genérica de um pastor, qualquer pastor, e por conseguinte, dos evangélicos, qualquer evangélico, às visões do Deputado. Trata-se, na realidade, de uma inquisição, que visa tornar o termo "evangélico" genericamente pejorativo e sinônimo de intolerante. Se por um lado o Deputado pode ser acusado de maniqueísmo, a imprensa, de modo geral, também pode ser taxada de maniqueísmo e intolerância, ao lembrar, em quase todos os textos sobre Marco Feliciano, que o Deputado é "pastor" fora das fileiras da política. Todos já sabem este fato, afinal de contas, e a inclusão da palavra "pastor" não tem qualquer cunho informativo.

A meu ver pastores não têm que se meter em política. Segundo o Apóstolo Paulo em 1 Coríntios, "tudo é lícito, porém nem tudo convém", e não convém que pastores se imiscuam na política. Sendo assim, ao se tornar político, um pastor deveria inclusive deixar de usar o título pastor enquanto estiver ocupando a função política. Ao pastor é dada uma plataforma, o púlpito, e se escolhe as tribunas reservadas aos próceres da Nação, na realidade rejeita a plataforma que lhe foi concedida, que trata de questões sagradas, por outra que trata de questões laicas. Foi Jesus que disse que não se pode servir a dois mestres ao mesmo tempo, eis aqui um grande exemplo.

Alguns podem inclusive acusar o deputado de ter-se valido da sua popularidade nos meios religiosos para ser eleito. Ora, há jornalistas às pencas ocupando cadeiras legislativas no país afora que também se valeram das páginas dos seus jornais e revistas, e espaço nas telas, para se eleger. Por analogia, se é errado que um religioso use a sua popularidade para se eleger, o mesmo diria de jornalistas. Sem contar ex-BBBs. 

Em síntese, a imprensa brasileira demonstra com esse comportamento corporativo que está longe de ser tolerante, que não pratica a isonomia, e que ainda é bastante tendenciosa. Alguns hão de dizer que é preciso ser um pouco intolerante para combater a verdadeira intolerância, o que para mim é um argumento cíclico, ilógico e perigoso, criando-se dois padrões. Para mim Marco Feliciano é, no momento, somente mais um Deputado, não mais, não menos do que isso.  E a imprensa brasileira ainda tem muito a aprender sobre tolerância e democracia.

Friday, March 1, 2013

A Interminável Colcha de Retalhos



Já me perguntaram diversas vezes por que eu não escrevia um livro sobre automobilismo brasileiro. Alguns perguntam, taxativamente, quando sairá o meu livro, e um fulano mais entusiasmado chegou até a perguntar onde podia adquirir um exemplar do livro que não havia escrito. Não vou ser dissimulado, e dizer que nunca pensei no assunto. Pensei sim.

O primeiro livro de automobilismo brasileiro que adquiri, nos anos 80, foi o 'Mais que Vencedor', do Alex Dias Ribeiro. Era um livro simples, com pouquíssimas fotos, mas com muita informação quente. Naquela época já tinha uma biblioteca considerável de livros de automobilismo ingleses, americanos, italianos e alemães, então as comparações foram inevitáveis.

Com a evolução do setor livreiro no Brasil, além de inovações tecnológicas, surgiu um pequeno nicho no mercado, o livro de automobilismo. Sem dúvida empolgadas com as excelentes vendas de diversos tomos sobre Ayrton Senna, as editoras passaram a entender que haveria pessoas que comprariam livros sobre o assunto automobilismo no Brasil.

Ocorre que a produção do livro de automobilismo no Brasil é uma empreitada cara. Na Internet é fácil fazer um blog ou site, publicar fotos scaneadas e editadas de qualidade questionável, e muitas vezes de origem não identificada. Aquelas que não são manjadas logo se tornam após a publicação, amplamente disseminadas em outros lugares. Que fazer, este é o poder da Internet. Mas os livros de automobilismo no Brasil são caros de produzir justamente pelo farto conteúdo visual inédito exigido pelo mercado.

Tenho alguns livros de automobilismo, acreditem, sem fotos. Só história e resultados. Ou seja, um livro barato de produzir. Suspeito que um livro deste tipo venderia uns cinco exemplares no Brasil inteiro, por que o mercado exige fotos, muitas e boas fotos.

Por outro lado, os livros editados no exterior geralmente contêm nos créditos fotográficos a sincera indicação 'fotos gentilmente cedidas por' fulano, sicrano, beltrano. Acreditem ou não, na maioria dos casos as fotos realmente são cedidas - não vendidas.

Agora, vai tentar obter 'fotos gentilmente cedidas' no Brasil. Todo mundo quer dindim para publicar fotos em livro. Um bom dindim.

Eis a tipica estória do ovo de Colombo. Os livros são caros por que pagar os direitos fotográficos sai caro, ou os direitos são caros por que os livros de automobilismo no Brasil são muito caros e os donos das fotos, frequentemente empresas que visam lucros, não acham justo dá-las de lambuja? Pois a grande maioria de livros do nosso esporte custam de 100 paus para cima. Vamos ser francos - alguns desses livros, pelo baixo número de páginas e as proverbiais fotos manjadas, mal deveriam custar 50. Mas isso é outra história.

Qualquer pessoa com algum conhecimento do setor editorial sabe que para o autor mesmo restam migalhas, salvo se você é um Jorge Amado, Luis Fernando Veríssimo ou Paulo Coelho. O livro pode custar 120, mas o autor mesmo leva royalties que não passam de 10 reais por livro VENDIDO. Quando ganha alguma coisa. A editora e os livreiros ficam com o grosso das vendas, e às vezes, com tudo.

Ou seja, o livro de automobilismo ainda precisa ser patrocinado no Brasil. Admito que não sou muito fã do patrocínio. A razão principal é que você perde muito da sua autonomia como historiador, e passa a ter que favorecer ou suprimir fatos, para deixar o patrocinador feliz. Segundo, o patrocinador acaba ficando (por direito) com grande parte da tiragem dos livros, que são distribuídos gratuitamente para pessoas que nem dão valor ao seu conteúdo e nem lêem os livros. Terminam de enfeite em salas de diretoria de empresários que nunca foram a uma corrida e nem gostam de automobilismo. As pessoas realmente interessadas ficam a ver navios, ou então, são obrigados a gastar pequenas fortunas para adquirir os livros. Resta ao autor o momento de glória do coquetel de lançamento, alguns tapinhas nas costas e muitas críticas quando sai de perto.

No momento em que escrevo este blog, há inúmeros projetos de livros de automobilismo brasileiro em diferentes fases de evolução no Brasil. Em muitos casos, os livros já estão prontos, e houve problemas com o patrocínio. Em outros, os livros estão prontos à espera de patrocinador. E na maioria, só existe o sonho, e livros não acabados, que nunca serão editados.

Como escritor, tenho o sonho de publicar um livro, sim. Afinal de contas, optei por não ter filhos, embora já tenha plantado uma árvore. Editar um livro faz falta na minha 'equação de vida' e já não sou nenhum garoto. Entretanto, salvo se alguma coisa mudar, o meu livro sairá mas será um romance, ou livro de crônicas. Sem fotos, e sem patrocínio.

O blog ou site é um formato mais interessante. Sem muito prestígio, mas por outro lado, sem stress, sem prazos, sem patrocinadores, sem politicagem, sem coquetel de lançamento. Alguns tapinhas virtuais nas costas, e muitas críticas para equilibrar. Se por um lado não me rende convites, por outro não me custa nada manter meus dois sites no ar, pois os anúncios do google pagam os custos com patrocinadores anônimos. Errou, volta no texto e corrige. Quer ampliar, amplia. Quer retirar algo, basta um clique do mouse. É uma interminável colcha de retalhos.
Prefiro assim.

Carlos de Paula é tradutor, escritor, historiador e sonhador.