A isonomia é o princípio mais básico da tolerância e
diversidade. De fato, sem tal imparcialidade não existe tolerância e o
entusiasmado acolhimento da diversidade não passa de hipocrisia da grossa.
Nas últimas semanas, temos testemunhado milhares de artigos
publicados na mídia brasileira sobre a escolha do Deputado Marco Feliciano para
presidir a Comissão de Direitos Humanos da Casa. Neste artigo, me atenho
meramente à mídia na Internet que é a única mídia brasileira à qual tenho pleno
acesso. Por alto, 7 entre 10 artigos na internet adicionam ao nome do Deputado
Marco Feliciano seu título eclesiástico de Pastor, na forma "pastor
Deputado Marco Feliciano", "Pastor Deputado Marco Feliciano",
"Deputado Marco Feliciano que é pastor", etc. O propósito deste
artigo não é discutir as visões do Deputado, ou se é qualificado para ocupar o
posto. Trata de uma coisa mais séria, a tal da isonomia, que, ironicamente,
também é a base dos direitos humanos e afeta a todos, desde o mais humilde operário
à Presidenta do País.
A imprensa usa boa parte do seu espaço e recursos falando de
políticos, o que é bom. Nos últimos anos, a Câmara de Deputados Federal teve
Deputados com uma vasta gama de ocupações antes (e durante) as suas respectivas
eleições: advogados, industriais, banqueiros, economistas, empresários,
acadêmicos, psicólogos, comerciantes, ativistas, atores, cantores, escritores,
policiais, militares, estilistas, apresentadores de TV, jornalistas,
sindicalistas, esportistas, e até mesmo palhaços e ex-BBBs. Depois do susto da
eleição, como foi o caso do palhaço Tiririca, nunca vi um Deputado ser referido
com indicação da sua profissão fora da política, o mesmo se aplicando a
Senadores, Vereadores, membros do Executivo, etc. Por exemplo, enquanto foi
ministro, nunca via referências ao "cantor Ministro Gilberto Gil", ou
à "sexóloga Ministra Marta Suplicy". Sendo assim, é com certa
apreensão que vejo a imprensa tratar o Deputado Marco Feliciano de forma
diferenciada. Com certeza, não usam seu título fora da política por respeito,
pois na maior parte das vezes a palavra pastor é grafada com letras
minúsculas...
Alguns poderiam dizer, em defesa do comportamento patológico
do "quarto poder" que nesse caso é importante frisar repetidamente a
afiliação religiosa do político. Ora, não vejo o mesmo zelo em relação a
políticos católicos, islâmicos, judeus, kardecistas, umbandistas, budistas,
satanistas, agnósticos e ateus, cujas posições religiosas nunca são levadas em
consideração, seja qual for a pauta política, nos textos que lhes concernem.
Somos ou não um estado laico?
Sendo assim, só podemos considerar que existe uma campanha
voluntária, invisível porém sensível, para atrelar a figura genérica de um
pastor, qualquer pastor, e por conseguinte, dos evangélicos, qualquer
evangélico, às visões do Deputado. Trata-se, na realidade, de uma inquisição,
que visa tornar o termo "evangélico" genericamente pejorativo e
sinônimo de intolerante. Se por um lado o Deputado pode ser acusado de
maniqueísmo, a imprensa, de modo geral, também pode ser taxada de maniqueísmo e
intolerância, ao lembrar, em quase todos os textos sobre Marco Feliciano, que o
Deputado é "pastor" fora das fileiras da política. Todos já sabem
este fato, afinal de contas, e a inclusão da palavra "pastor" não tem
qualquer cunho informativo.
A meu ver pastores não têm que se meter em política. Segundo
o Apóstolo Paulo em 1 Coríntios, "tudo é lícito, porém nem tudo
convém", e não convém que pastores se imiscuam na política. Sendo assim,
ao se tornar político, um pastor deveria inclusive deixar de usar o título
pastor enquanto estiver ocupando a função política. Ao pastor é dada uma
plataforma, o púlpito, e se escolhe as tribunas reservadas aos próceres da
Nação, na realidade rejeita a plataforma que lhe foi concedida, que trata de
questões sagradas, por outra que trata de questões laicas. Foi Jesus que disse
que não se pode servir a dois mestres ao mesmo tempo, eis aqui um grande
exemplo.
Alguns podem inclusive acusar o deputado de ter-se valido da
sua popularidade nos meios religiosos para ser eleito. Ora, há jornalistas às
pencas ocupando cadeiras legislativas no país afora que também se valeram das
páginas dos seus jornais e revistas, e espaço nas telas, para se eleger. Por
analogia, se é errado que um religioso use a sua popularidade para se eleger, o
mesmo diria de jornalistas. Sem contar ex-BBBs.
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